segunda-feira, maio 02, 2005

O trabalho e a rotina em Boca Raton

“Desde os primordios até hoje em dia
O homem ainda faz o que o macaco fazia
Eu não trabalhava, eu não sabia
O homem criava e também destruia
Homem primata, capitalismo selvagem”
(Titãs)


Quase cinco meses se passaram desde que todos nós viemos trabalhar temporariamente aqui nos Estados Unidos. Após todo esse tempo tivemos momentos maravilhosos e muitos outros decepcionantes. Para que vocês possam ter noção do que é trabalhar aqui nesse país, hoje vou descrever o que foi viver num country clube na Flórida de dezembro até dias atrás quando parte de nós começa a retornar ao seu país de origem, uns estão sendo contratados por mais dois anos no clube e outros (como eu) seguem para outros empregos aqui na América.
Se a intenção de todos que chegaram aqui no final do ano passado era trabalhar, todos realizaram seus desejos sem exceção. Meu grupo foi o segundo a chegar aqui em Boca uma semana depois do primeiro. Ao aterrizarem no clube, o primeiro grupo foi responsável pela mudança e arrumação da nova sede do clube. Assim, os primeiros contratados que chegaram passaram uma semana realizando serviços super gerais durante muitas horas por dia.
Quando o segundo grupo chegou, quase tudo já estava arrumado e nos restou fazer os ajustes finais da mudança, e como a temporada já havia começado a dois meses, caímos de cara no trabalho por horas a fio. Quase todo mundo que veio trabalhar no clube ia ser garçon ou garçonete enquanto alguns poucos foram remanejados a outros departamentos para sorte ou azar. A sorte é por conta do tempo livre que as pessoas que não trabalharam nos restaurantes do clube tiveram para viver um pouco e se divertirem pela Flórida. O azar é que a maior parte dessas pessoas trabalharam poucas horas e não puderam fazer tanto dinheiro como imaginavam.
Por outro lado, parte do azar ou da sorte do maior grupo, ou seja, o pessoal do departamento de alimentação, começava de quinta a quarta de cada semana quando nos era liberado a escala da semana. Entre dezembro até cerca de três semanas atrás, por semana todos trabalhavam entre 60 e 70 horas, o que significa que todos nós vivíamos de três a cinco dias por semana das dez da manhã às dez, onze e nos finais de semana muitas vezes até meia-noite com sorte.
Dois grandes exemplos dessas jornadas estafantes aconteceram na véspera de Ano Novo quando trabalhamos numa festa pra mil e tantas pessoas do meio dia até às três horas da manhã. Outro aconteceu quando trabalhamos numa festa no sábado em que o horário de primavera começaria e, como o nosso horário de verão aí no Brasil, perdemos uma hora e aqueles que haviam começado por volta das dez da manhã sairam do clube mais de duas da madrugada sendo que grande parte começaria seu turno no domingo entre oito e oito e meia da manhã para mais um double, ou seja, dois períodos de trabalho.
Diariamente passávamos de doze a quinze horas labutando com apenas um dia livre por semana e raras noites ou manhãs para recompor as forças esvaidas, especialmente quando se trabalha mais de três dias seguidos nesse ritmo. O resultado é que não se tem vida e todos os recursos que tinhamos disponíveis em nosso condomínio como piscinas, academia, quadras de tênis entre outros, raramente podiam ser desfrutados.
Assim foi a vida de todos nós durante quatro meses e com esse ritmo muitos ficaram doentes, estressados e no caminho muitos também desistiram da luta e nos abandonaram. Para aqueles que resistiram até o fim da jornada resta lembrar que tudo isso que vivemos durante todo esse tempo é para poucos devido as diversas circunstâncias adversas que encontramos. Muitos sonham com a América e uma das frases mais citadas por um de nossos companheiro latino de trabalho muitas vezes com ironia era “America good”.
Aqui temos todas as condições de ganhar muito dinheiro se compararmos o que poderíamos ganhar no Brasil porém a America só é good para aqueles que realmente suam a camisa, pois por aqui trabalhar não é nada fácil...



Todo dia ela faz tudo sempre igual
Nada mais estressante do que trabalhar num restaurante diria qualquer mestre acostumado a servir refeições, drinks e afins. O trabalho num clube que é cheio de etiqueta e cinco estrelas em chateações e estresse. Muitas pessoas que trabalham nesse ramo, incluindo alguns gerentes, aparentemente passam a frustação de estarem trabalhando nisso puramente pelo dinheiro ou acomodação.
No treinamento inicial a maioria dos contratados jamais havia segurado uma mera bandeja quanto mais posto uma mesa com trezentos mil talheres. O resultado foi uma falta de respeito escancarada por parte de algumas pessoas que nos treinavam já que elas não mediam esforços em gritar com todos com um tratamento especialmente voltado para a raça canina.
Nada nos foi orientado e mostrado de maneira adequada e tivemos que aprender a nadar sem bóia e sem auxílio. Para complicar a situação, nossa tribo estava tomada por caciques e sem muito índios o que resultava em mandos e desmandos de diversos gerentes que não conseguiam trabalhar em conjunto e harmoniosamente em favor dos empregados que pareciam ser inúteis por ali. Nada nunca estava bom e muitas vezes levavamos broncas por coisas que nem tínhamos noção do que era. Uma chuva de bala perdida que acertava o primeiro que passava ou dava o azar de estar perto de alguma coisa errada.
Com o excesso de horas, a irritabilidade reinava no lugar e mesmo um bom dia poderia ser a faísca para uma cara feia e quem sabe até uma briga. No pico de movimento, os garçons inexperientes e perdidos tiveram que lidar com a barreira da língua e sotaques, a pouca paciência e falta de treinamento de muitos gerentes que não sabem e talvez nunca aprendam a lidar com funcionários.
Todo dia era assim: Entrar por volta das dez da manhã, ajustar os detalhes finais para o almoço, passar muitos momentos fingindo que estava trabalhando mesmo quando não tinha nada pra fazer, atender os membros que frequentam o clube no almoço e no jantar, almoçar a mesma comida de sempre por volta das três da tarde com apenas trinta minutos de descanso, limpar toda a sujeira do almoço nossa e dos membros, pôr a mesa pro jantar, polir os copos e os talheres e arrastar mesas pra cima e pra baixo (função dos homens) especialmente quando se tinha eventos. Depois disso, preparar as mesmas coisas novamente e esperar o jantar e fazer a mesma coisa durante cada minuto do mínino de dez horas que gastávamos por lá. Já ficou cansado de ler sobre isso? Imagina fazer tudo isso, várias vezes ao dia durante muito tempo. Mesmo se esforçando, quase sempre o corpo pede arrego.
E assim foram os quase todos os dias desses quase cinco meses de temporada na Flórida e acaba oficialmente no dia 31 de maio quando todos já terão seguidos suas vidas em seus paises de origem ou por aqui nos Estados Unidos.

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