terça-feira, março 29, 2005

A melhor atriz coadjuvante

Quando todos chegamos aqui em dezembro de 2004, uma estrutura montada nos aguardava, o que incluia o trabalho, alojamento e transporte que é um item muito importante principalmente em se tratando de cidades pequenas nos Estados Unidos.
Conforme já relatei nos meus primeiros textos, ficamos estupefados com a grandeza e o luxo do nosso alojamento e não poderia deixar de ser diferente com o nosso meio de transporte que nos aguardava em frente a nossos apartamentos, esbelta, azul da cor do mar e cheia de energia.
Cada novo empregado internacional do Broken Sound recebeu uma bicicleta novinha, com direito a nome adesivado, tranca, capacete e permanência, o que quer dizer que assim que acabar o contrato teremos direito de levá-las pra aonde quer que vamos. Esse meio de transporte seria uma preocupação a menos se não existe a novela das bicicletas que, não estando contentes com o papel de coadjuvantes num filme cheio de estrelas internacionais, resolveram se vingar para enfim serem as estrelas principais.
Toda essa revolta causou e vêm causando bobos, e até sérios problemas, pois, ao nos conscientizarmos de que teríamos uma bicicleta para ir e vir a qualquer cantinho de Boca caimos na real já que morávamos numa região afastada de tudo e ela literalmente só serviria para ir e vir do trabalho que fica a cerca de 10 minutos com ela e, com o desenrolar da história nossa convivência com as bikes foi tomando rumos inesperados.
Durante as reuniões de trabalho, nossos empregadores começaram a mencionar que estávamos indo contra os procedimentos de como pedalar no interior do clube. Nosso espaço foi ficando cada vez mais limitado já que as calçadas do clube que também são ciclovias quase sempre estão cheias de membros, ou seja, moradores que ficam caminhando com seus cãozinhos ou se exercitando enquanto que nas ruas os motoristas dirigem como se estivessem numa rodovia. De um lado parte dos membros começaram a reclamar de estarmos pedalando nas calçadas e por outro, os membros motoristas reclamavam que estávamos atrapalhando nas ruas. Fazer o que? Ir a pé? Ok, se não tiver outro jeito!



Quando o único jeito é ir a pé

Ir a pé não é o problema quando se vai trabalhar. A pé, o clube fica a cerca de 35 minutos de caminhada e quando se está disposto você ainda tem a chance de caminhar rodeada por uma paisagem muito bonita e agradável. Nos primeiros dias de trabalho algumas pessoas resolveram ir ao trabalho caminhando porque gostavam ou por não saber pedalar (o pessoal do clube não pensou nisso antes de comprar as bicicletas). De qualquer forma, quem não sabia, avante, pois eis que era chegada a hora de aprender querendo ou não.
De qualquer forma, caminhar é um ato agradável quando... se está disposto, se você gosta ou se adora despertar meia hora mais cedo do que de costume diariamente. Mesmo assim, a caminhada acaba sendo o único remédio quando a nossa amiga bicicleta resolve lançar asas e passear com outras pessoas não identificadas tudo porque as magrelas são todas iguais exceto pelos adesivos (que do mesmo jeito fácil que se coloca, se retira).
Com o uso intensivo, as vingativas começaram a ficar doentes, cansadas e começaram a se rebelar. Umas furaram seus pneus, estouraram as suas próprias câmaras de ar, fundiram as marchas e outras indo mais longe, a desapareceram. Mas além de tudo isso, o pior ainda estava por vir quando dois de nossos colegas de trabalhos foram jogados para cima de um carro dentro do clube.
Num belo dia de sol, os dois seguiam pedalando para o trabalho quando uma membra ao sair do seu condomínio não percebeu os ciclitas atropelando os dois. Mesmo aparentemente bem, eles foram conduzidos pelos bombeiros ao hospital e chegaram a passar momentos “agradáveis” que recentemente também experimentei por conta da virose.
Esse capítulo na novela das bicicletas revolucionou a vida dos ciclistas internacionais do clube. A partir daquele episódio, todos foram obrigados a usar capacetes e lanternas com a ameaça de ser mandado para o país de origem caso não cumprisse o combinado. O gerente geral do departamento de Alimentação levou tão a sério a sua própria ordem que na primeira noite posterior a regra e ao acidente, ele ficou de tocaia para ver se pegava algum funcionário descumprindo-a.
Dado a rigidez da norma, tempos depois eles entregaram a cada internacional um documento de responsabilidade na qual cada um assume pra si qualquer responsabilidade caso sofra qualquer tipo de acidente e não esteja utilizando os equipamentos necessários de segurança.
Resultado: Pedalar Sempre 10 x 0 Com Capacete.


As quebras e os furtos

Como todas as bikes, com poucas exceções, começaram a dar problemas mecânicos, um internacional holandês foi denominado pelo clube o agente de nossas atrizes devido ao seu cuidado especial com elas. Com o aumento da demanda, o que a princípio era de graça para todos nós começou a ser cobrado.
Esse dos males é o menor pois muitas bicicletas que não são trancadas tanto no clube quanto na porta de casa desaparecem sem vestígios. Eu, por exemplo, fui furtada umas quatro vezes (incluindo aí a minha tranca) se não perdi a conta.
Muitos foram trabalhar alguns dias a pé porque suas bicicletas haviam sido roubadas o que sempre está acontecendo de uns tempos pra cá e, alguns de nós recuperamos por obra da sorte. Atualmente, o problema está ficando tão grave que quando se é furtado, se furta para ter um meio de transporte para trabalhar e isso não cessa.
Apesar de toda essa bagunça, o mais engraçado é lembrar que no começo todos receberam uma bicicleta e ainda temos algumas extras perdidas pelo condomínio, pois alguns dos internacionais que vieram já foram. Fica assim a pergunta que não quer calar...aonde elas se escondem? Estariam elas na fila do SBT aguardando o troféu imprensa de melhor atriz coadjuvante da categoria novela americana?

Nenhum comentário: